sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O infame comércio

Assim foi chamado o tráfico de escravos por seus críticos no século XIX. Mas, ao mesmo tempo, observe que se reconhecia nisso uma forma de comércio, tanto que "tráfico" não possuía em geral o sentido que damos agora à palavra.
Em todo caso, este comércio internacional durou até 1850. O que não quer dizer que a escravidão havia acabado ou que a venda de escravos dentro do Império do Brasil tenha terminado nesta data. Apenas a captura e o transporte de "carne humana" da costa da África para o Brasil havia sido proibido, acabando com os poderosos traficantes e seus navios negreiros.
Estes, aliás, eram embarcações certamente horripilantes. Não faltaram artistas a pintar estes navios, mais conhecidos por "tumbeiros", por serem a tumba de muitos africanos. Maus tratos, má alimentação, doenças... muitos nem chegavam ao Brasil, outros morriam logo após o desembarque. E ainda assim os sobreviventes eram fonte de altos lucros para os traficantes, afinal, a mão de obra escrava era a principal força de trabalho do Brasil.
O poeta Castro Alves escreveu em 1868 um de seus mais famosos poemas. "O navio negreiro" tinha como subtítulo "Tragédia no mar" e buscava chamar a atenção para a violência da escravidão como um todo. Apesar do tráfico já estar proibido na época deste poema, as memórias ainda eram frescas.

(...)
Era um sonho dantesco... o tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
(...)

Homens, mulheres, crianças, jovens e velhos, todos amontoados, presos por correntes, arrastados de um continente para outro. A imagem abaixo, extraída de um folheto inglês do início do século XIX, apresenta a distribuição dos escravos no interior de um tumbeiro. De uma forma mais artística, a mesma situação foi mostrada pelo pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858), na imagem acima.

Infame ou não este comércio?


Nota: "O Infame Comércio" também é o título de um ótimo livro de Jaime Rodrigues, professor da Unifesp.

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