quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Uma gota...

Quando propusemos um debate envolvendo alunos e professores a respeito da eugenia todos tínhamos ideia da atualidade do tema. Independente do surgimento das primeiras teorias raciais eugênicas (aquelas que pregavam algum tipo de hierarquização e seleção de grupos humanos) no século XIX e de seu ápice com o nazismo alemão nas décadas de 1930 e 1940, a presença do racismo até os dias atuais bem como as discussões a respeito das possibilidades da engenharia genética mantêm a atualidade do tema. Às vezes o assunto surge mesmo quando menos esperamos.
Abri o jornal sem grandes pretenções quando via a seguinte manchete:



Ao contrário do Brasil, igualmente ex-escravista e portanto com grande população afro-descendente, os EUA optaram por estabelecer regimes segregacionistas nos estados do sul do país. Aquela era a região com maior concentração de negros exatamente por ter abrigado o regime escravista até meados do século XIX. Com base nas teorias raciais segundo as quais os negros eram "obviamente" inferiores, os brancos estadunidenses sulistas se viram no "direito" de obrigar a população a uma divisão racial. Negros e brancos não estudariam nas mesmas escolas, não comeriam nos mesmo restaurantes, não sentariam nos mesmo lugares dos ônibus, entre muitos outros casos.
Havia entre essas leis segregacionistas uma de nome bem peculiar:  'One-drop rule' (Regra de uma gota, em inglês, ou Lei da Hipodescendência).
Segundo essa lei, que foi usada em muitas partes dos Estados Unidos de 1662 até a década de 1960 na maior parte dos Estados (em Louisiana ela vigorou até 1985, quando a corte determinou que uma mulher não poderia se identificar como "branca" em seu passaporte pois sua pentavó era negra), o norte-americano que tivesse qualquer grau de ancestralidade africana ("uma gota de sangue africano"), seria considerado negro.

O Estado de S. Paulo

Vocês conseguem visualizar o que seria uma pentavó negra? Eu tenho uma! Mas o que para mim seria motivo de orgulho no contexto de uma sociedade racista implica em ser considerado inferior ou menos merecedor de bons empregos, bons salários, etc.
O que os pesquisadores de Harvard constataram que apesar de os EUA estarem numa fase com grande presença de negros bem-sucedidos ainda há uma tendência às pessoas seguirem a regra da uma gota instintivamente. Indivíduos que foram colocados diante de fotos de pessoas com perfis étinicos variados (alguns mais negros outros mais brancos) tenderam a identificar como negros todos aqueles que pareciam ter algum antepassado negro. Ou seja, ninguém "branqueou". Ninguém disse que por um fulano ter mais ascendentes brancos ela era branco. Entendem onde está o preconceito? Não é apenas uma gota, é uma mácula, uma mancha, uma impureza, e aparece como irreversível.
No Brasil, onde o racismo é direfente (e isso não quer dizer inexistente!!!), há diversos matizes por conta, entre outros motivos, da alta taxa de miscigenação. O primeiro censo realizado no Brasil, em 1872 ainda durante a escravidão, já previa ao menos três "cores": brancos, negros e pardos. O IBGE, por exemplo, não identifica quem é negro ou branco, tudo depende da auto-declaração do cidadão. Se por um lado declarações como "sou cor de canela" ou "marrom-bombom" geram risos, ainda acho mais saudável que ignorar identidades e afirmar uma ascendência por causa de uma gota.
Afinal, é uma questão de identidade cultural ou cor de pele?

Um comentário:

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