quinta-feira, 3 de março de 2011

Abolição e abolicionismo

Escravo punido,
possivelmente por fuga.
Não é raro, até hoje, ouvirmos pessoas falarem que os africanos "aceitavam" a escravidão. Quando penso nos meus tempos de escola não consigo me lembrar de ter ouvido qualquer referência à resistência negra além do Quilombo dos Palmares (séc. XVII) ou de comentários esparços sobre fugas individuais. Não estudei em escolas ruim e não posso considerar que tive professores mal formados, mas o conteúdo transmitido era extremamente conservador. Ao abordarem o processo de abolição da escravidão no Brasil meus professores apresentavam um quadro mais favorável aos donos do poder. Até onde me lembro eram jornalistas e políticos como Joaquim Nabuco que encampavam a bandeira do abolicionismo. Ou seja, a abolição teria vindo de cima para baixo, fruto da pressão de parte da elite crítica da escravidão. E os escravos, não se movimentavam?
Hoje já é quase consenso que por mais que a Abolição, em 1888, tenha tido um lado elitista, um lado parlamentar, não há como negar a existência de um apelo popular e uma intensa movimentação por parte dos próprios escravos (ou ex-escravos) que desde a década de 1870 tramavam rebeliões, organizavam fugas em massa ou atuavam, juntamente com advogados, em redes de solidariedade para a alforria de outros escravos.
É este cenário que o livro O Plano e o pânico: os movimentos sociais na década da Abolição, de Maria Helena P. T. Machado, aborda. A pesquisa foi concluída na década de 1990 quando a tese de doutorado foi lançada. Mas o livro agora é relançado com a devida revisão. Numa matéria da Agência FAPESP a autora comenta alguns aspectos relevantes:
De acordo com Maria Helena, a tese central do livro – que teve origem em sua pesquisa de doutorado, concluída na USP em 1991 – é que os escravos não tiveram um papel passivo no processo que culminou com o fim da escravidão, que não teve nada de elitista, ao contrário do que deixava transparecer a historiografia abolicionista.
“Os escravos tiveram ampla participação no processo, em um movimento que também envolveu trabalhadores livres pobres e imigrantes. A atuação dos líderes abolicionistas só é compreensível como parte de um contexto de uma cultura política que teve origem nas senzalas, com a tensão social causada por sucessivas fugas em massa ao longo da década de 1880”, disse à Agência FAPESP.
(...)
A historiadora descobriu revoltas de escravos que não haviam sido documentadas anteriormente. Uma delas, abortada, estava planejada para ser realizada em Resende (RJ), em 1881. Os registros diziam que um homem branco conhecido como Mesquita tinha chegado dos Estados Unidos e estava organizando uma revolta de escravos sem precedentes.
“Ele orientava os escravos a roubar armas dos senhores, a cortar os fios dos telégrafos e a roubar cavalos. Planejava articular uma ação orquestrada e formar uma excursão para a corte, no Rio de Janeiro, a fim de exigir a abolição da escravidão. Vários episódios mostravam grande movimentação social naquela década – entre São Paulo e Rio de Janeiro – com participação ativa dos escravos”, disse Maria Helena.
Outra revolta estudada foi organizada em 1882, em Campinas (SP), e chegou a ser realizada, embora em dimensão menor que a planejada. Liderada por um escravo liberto chamado Felipe Santiago, essa revolta foi associada à organização de uma seita religiosa denominada Arásia.
“Os adeptos tinham iniciações, recebiam novos nomes e eram marcados no corpo em ritos iniciáticos. Esses escravos haviam comprado armas e invadiram a cidade de Campinas em uma ação muito violenta. Esse tipo de episódio dissipa a ideia de que a abolição foi uma libertação passiva, ou um protesto irracional e apolítico dos escravos”, contou.

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