quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nacionalismos Brasileiros II

O post anterior acabou me levando a reler minhas anotações. Há muito tempo tenho guardo quatro (?) "canções do exílio". Obviamente é uma brincadeira, mas não só minha. Os poetas adoram fazer referências, especialmente quando se veem engajados em alguma releitura do Brasil.
Gonçalves Dias, pai da verdadeira "Canção do Exílio" escreveu em 1843 quando se encontrava em Coimbra, estudando Direito. Olhando de longe, com saudade e inspirado pela poesia portuguesa de Alexandre Herculano e Almeida Garrett, assim se expressou:
Canção do Exílio
(Gonçalves Dias)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
O poeta modernista mineiro, Murilo Mendes, escreveu em 1930 a sua versão da Canção. No entanto, seu exílio ocorria dentro do Brasil: imerso no país real escrevia com os olhos no país que desejava.
Canção do Exílio 
(Murilo Mendes)
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
A preocupação com as influências externas, com os preços altos e a política turbulenta não apareciam nos horizontes de Gonçalves Dias. No entanto, o Brasil de Murilo Mendes ainda parecia mais suave que o de Cacaso, poeta da cidade de São Carlos (interior de São Paulo) que escreveu em 1974, imerso na Ditadura Militar.
Jogos Florais
(Cacaso)
I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.

Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
A água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

II
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.

Bem, meus prezados senhores
dado o avanço da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.

(será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)
Palmeiras que lembram Palmares, refúgio daqueles que lutaram contra a opressão, disputam lugar com um Brasil moderno, filho do "Milagre Econômico" da Ditadura. Saudade da terra onde a água não vira vinho, mas direto vinagre? Não parece. Mais semelhança há com o Brasil de Cazuza, do álbum Ideologia, de 1988, saindo daquela mesma Ditadura.

Brasil
(Cazuza)

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer

A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me ofereceram
Nem um cigarro

Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha

Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer

Não me sortearam
A garota do "Fantástico"
Não me subornaram
Será que é o meu fim
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer sim, sim

Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(Não vou te trair)

Num misto de desapontamento e esperança, Cazuza, parece ao meu ver, sepultar a  "Canção do Exílio". Aquele ufanismo (= orgulho exagerado do país) não teria mais lugar no Brasil que, para muitos, renascia depois de cerca de duas décadas de Ditadura Militar. No mesmo ano da Constituinte o músico-poeta (ou poeta-músico) apresentava também naquele álbum a música título "Ideologia", enterrando também velhos heróis...

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