terça-feira, 12 de abril de 2011

Nacionalismos brasileiros

Aquele post sobre os pracinhas brasileiros (AQUI) motivado por um livro de Cesar Campiani Maximiano gerou um comentário curioso. Ao contrário do que eu poderia imaginar, um ex-aluno manifestou seu interesse por canções militares e se lembrou da "Canção do Expedicionário". Eu conhecia a "Canção" um tanto superficialmente, nunca havia me preocupado em lê-la com atenção especialmente porque, admito, respeito as Forças Armadas, mas meu pacifismo é um tanto radical ao ponto de me manter a uma boa distância da temática marcial.Desta vez, intrigado pela sugestão do Krisman nos comentários, fui ler e ouvir a "Canção do Expedicionário", inicialmente para entender o que ele havia achado de tão interessante! Não sei o que ele achou interessante, mas sei o que eu encontrei.
Guilherme de Almeida
Primeiramente, não me lembrava que a "Canção" era de autoria de Guilherme de Almeida (1890-1969). Apesar de sempre nos lembrarmos de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond, atualmente são poucas as referências aos demais modernistas. Almeida foi um grande poeta e grande propagandista da poesia do grupo da Semana de 1922, apesar de ser um pouco mais tradicional (ou parnasiano) que os demais. O poeta chegou a excursionar pelo Brasil dando palestras e lendo poemas para divulgar a poesia "moderna" da Semana. Daí meu espanto em ver seu nome em um hino militar, pois eu desconhecia sua participação na Revolução Constitucionalista de 1932, e suas poesias em comemoração ao IV Centenário da Cidade de São Paulo e à fundação de Brasília.
Contudo, não foi a biografia do poeta que mais chamou minha atenção. A poesia da "Canção do Expedicionário" é cheia de referências muito peculiares, a começar pela temática nacionalista ou mesmo ufanista. Este amor pela nação, pela ideia de uma comunidade cuja identidade comum a mantém unida, que de tempos em tempos resurge nos mais diversos pontos do mundo ocidental e frequentemente se reclama no Brasil de sua ausência transborda nos versos de Guilherme de Almeida. Um nacionalismo que é fundamental em uma canção militar, é verdade. Não se pode imaginar o envio de tropas à frente de batalha que não estejam plenamente identificadas com a bandeira que carregam. E o poeta, onde fica nesta história?
O modernismo paulista com sua proposta antropofágica, com seu manifesto pau-brasil, com sua defesa do olhar para as peculiaridades da própria terra, estava defendendo justamente uma arte que retomasse o Brasil, que olhasse para o Brasil como musa inspiradora. Alguns foram mais cautelosos, Almeida derramou-se em amor pela pátria. Ao expressar todo esse amor foi encontrar na literatura brasileira que ele tanto conhecia a referência no outro momento nacionalista por excelência: o Romantismo.
Creio que neste caso a referência seja óbvia no refrão da "Canção do Expedicionário":
Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá (...)
 Não há como negar a homenagem feita à "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias:
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias
Gonçalves Dias (1823-1864) escrevia sob a perspectiva de fundação de uma visão de Brasil explorando os temas consagrados do Romantismo, segundo Alfredo Bosi: a Natureza, a Pátria e a Religião. A exaltação da pátria de Gonçalves Dias manifestasse na saudade de quem estava na Europa enquanto Guilherme de Almeida escreve pensando no brasileiro que vai para a Europa em nome de um Brasil para o qual vai retornar, sem, contudo, deixar de explorar os mesmo temas, ainda que de modo diferente.
Em trecho seguinte, o poeta moderno volta a fazer referência ao colega romântico, mas também incorpora duas canções populares:
Você sabe de onde eu venho?
E de uma Pátria que eu tenho
No bôjo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
De um enorme coração.
Deixei lá atrás meu terreno,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacarandá,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina,
Onde canta o sabiá.
 O sabiá de Gonçalves Dias aparece, então, cantando não mais no alto de uma palmeira, mas no "Meu limão, meu limoeiro", próximo à "Casinha da Colina", duas músicas extremamente populares. Ou seja, Guilherme de Almeida não só escreveu uma "Canção" nacionalista, como usou referências que tocavam fundo nas lembranças afetivas do brasileiro comum: sucesso na certa! Tinha como não dar certo?


Para saber +
No site da Academia Brasileira de Letras (ABL) há duas boas biografias.
Guilherme de Almeida se tornou um acadêmico em 1930, recebendo justamente a cadeira n. 15 cujo patrono é Gonçalves Dias.
Aproveite e leia também os "Textos Escolhidos" para cada autor.

3 comentários:

  1. O Erik não deixa passar uma!
    Confesso que estranhei quando voce não respondeu o meu comentário em poucas horas como de costume! rs

    Erik,

    O que eu vejo de tão interessante em tais canções é exatamente a ideia do nacionalismo, de maneira tão explícita.
    As ideias de comunidade, bem coletivo e identidade nacional são essenciais à existência e desenvolvimento de qualquer nação. Todavia, a meu ver, o Brasil vem se formando com ideais completamente opostos. O sentimento nacionalista aqui é desprezado, tratado como antiquado ou, pior ainda, visto como atitude de fundamentalistas, da extrema direita.
    Sempre me incomodou o desinteresse pelo brasileiro pela propria pátria. Esse desinteresse se nota em todos os campos sociais mas ocorre, em especial, na política. Exemplos não faltam, né?
    Ai no Sanfra mesmo, o desinteresse do pessoal por assuntos nacionais era, em uma palavra, triste. Ora, como todos gostam de criticar o país, exigindo melhorias, reclamando da política se eles mesmos, não buscam desenvolver a ideia de sociedade nas situações a sua volta?
    A ideia de bem comum, está nas menores coisas, na hora de tirar vantagem na fila da cantina, até na hora de receber uma propina para votar uma lei no congresso federal.
    Qual a melhor maneira de desenvolver uma ideia de coletividade senão pela veia patriótica? A criação do sentimento nacionalista, quando não exagerado( pelo amor de Deus, sem exageros), é a melhor coisa que pode acontecer para o desenvolvimento de um estado-nação.
    Reclamem dos norte-americanos o quanto quiserem, mas se tem uma coisa neles que o brasileiro deveria copiar é o amor pela pátria. e chega desse amor patriótico que dura da abertura até o final da copa do mundo. Pelo amor de Deus, o país inteiro pipocar bandeirinhas apenas de quatro em quatro anos, é uma vergonha gigantesca.

    É por isso que vejo tanto valor nos hinos das forças armadas. As mensagens patriótica propostas pelos autores, mesmo que façam parte de um contexto parcialmente desconexo da minha ideia inicial, são importante na construção de sentimento de identidade nacional!

    Krisman.

    Ps: desculpa fugir do assunto do post. de novo.

    Ps 2: Alias, uma curiosidade, eu estava andando no centro de São Paulo nesse final de semana, e reparei que todas as bandeiras estavam a meio-mastro. Isso se deve ao luto oficial pelas vitimas do atirador no Rio. interessante, não? A posição da bandeira no mastro tem varios significados :D
    Curioso, não?

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  2. Nossa, o cara mandou bem.
    e aí, Hörner, será que rola um post sobre essa tragédia? Sobre o que aconteceu lá no rio? Sei lá, alguma coisa como o que você disse na aula hoje, do tipo: Liberdade de expressão ou, quem sabe, Bullying? Na nossa escola, até mesmo na nossa classe, existe demais, você não acha?

    Sérgio Almeida

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  3. Krisman,

    Entendo seu posicionamento, mas não concordo plenamente. Não vejo o nacionalismo como um "elemento agregador" por excelência, em especial porque não considero o sentimento nacionalista como algo necessariamente positivo, ainda mais se tomarmos o conceito historicamente.
    No caso brasileiro, penso que a "morte" do nacionalismo coincide com duas macro conjunturas. Primeiro, a ditadura militar (sim, ela novamente!) usou por longos anos a defesa dos interesses nacionais como justificativa para mandos e desmandos. "Brasil, ame-o ou deixe-o!" é explicitamente nacionalista, a politização da vitória na Copa de 1970 foi profundamente nacionalista, pois se com o "brasileiro não há quem possa", também ninguém podia com o governo dos brasileiros. Mas, veja, era um nacionalismo sem nação, sem povo, sem participação democrática. Quando então superamos a ditadura entramos no império do individualismo, da falta de participação fruto tanto falta de traquejo democrático quanto do comodismo ou da falta de interesse coletivo.
    É importante notarmos que ao mesmo tempo que a participação política se esvaziou (tanto a prática quanto o entendimento a respeito) também a noção de "coisa pública" se perdeu. O público é de todos ou é de ninguém? Eu espero que o governo faça algo ou eu "faço" o governo?
    E dado esse cenário de inércia política entendida, claro, como o que está parado continuará parado, mas se está em movimento permanecerá em movimento, creio que o estímulo ao nacionalismo não seja exatamente um caminho seguro. Por inércia muitos alemães e italianos seguiram líderes fortes que conclamaram as massas a se unirem para vencerem as adversidades. Acredito que a solução seja exatamente estimular a democracia plena e anti-elitista, capaz de reunir pessoas interessadas em fazer e não em delegar a um "lider", seja ele mais carismático ou mais poderoso econômico ou socialmente falando.

    Sérgio,
    Essa questão da liberdade de expressão me interessa muito. A sugestão está anotada, mas você não quer dar o pontapé inicial? Seria ainda mais interessante.

    Abraços

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