quarta-feira, 21 de março de 2012

Propaganda e os propagandistas

Bertolt Brecht (1898-1956)
Como atividade optativa neste bimestre havia um trabalho com documentos cujo tema era o nazi-fascismo. Um dos documentos era, na verdade, um poema de Bertolt Brecht, um dos maiores dramaturgos do século XX e ferrenho crítico do nazismo desde o primeiro instante. Perseguido pelo regime de Hitler, Brecht deixou a Alemanha e perdeu sua cidadania alemã. Suas peças e poemas possuem sempre uma crítica ao nazismo ou à sociedade que aceitava a liderança do Führer sem qualquer questionamento. Até hoje o termo brechtiano se aplica ao teatro crítico e pedagogicamente político, voltado para o engajamento da sociedade contra a opressão.
No poema abaixo, Brecht trata justamente de uma das inovações nazistas: a propaganda. Como os nazistas estavam voltados para uma política de massas, era fundamental seduzir e conquistar o apoio da população como um todo. Nunca, até então, um partido (e depois um governo) havia usado tanto de propaganda: cartazes, comícios, rádio, cinema, tudo servia aos propósitos de sedução de corações e mentes.
O curioso é que a inovação nazista acabou se tornando o "feijão com arroz" da política . Experimente ler o poema sem as estrofes 2, 3 e 4, que são bem específicas. Não parece a descrição de qualquer campanha política? Ou mais, não parece a propaganda de qualquer coisa, do sabão em pó a um carro de luxo?

NECESSIDADE DA PROPAGANDA
1.
É possível que em nosso país nem tudo ande como deveria andar.
Mas ninguém pode negar que a propaganda é boa.
Mesmo os famintos devem admitir
Que o Ministro da Alimentação fala bem.
2.
Quando o regime liquidou mil homens
Num único dia, sem investigação nem processo
O Ministro da Propaganda louvou a paciência infinita do Führer
Que havia esperado tanto para ter a matança
E havia acumulado os patifes de bens e distinções
Fazendo-o num discurso tão magistral, que
Naquele dia não só os parentes das vítimas
Mas também os próprios algozes choraram.
3.
E quando em um outro dia o maior dirigível do Reich
Se desfez em chamas, porque o haviam enchido de gás inflamável
Poupando o gás não-inflamável para fins de guerra
O Ministro da Aeronáutica prometeu diante dos caixões dos mortos
Que não se deixaria desencorajar, o que ocasionou
Uma grande ovação. Dizem que houve aplausos
Até mesmo de dentro dos caixões.
4.
E como é exemplar a propaganda
Do lixo e do livro do Führer!
Todo mundo é levado a recolher o livro do Führer
Onde quer que esteja jogado.
Para propagar o hábito de juntar trapos* , o poderoso Göring
Declarou-se o maior “juntador de crápulas” de todos os tempos
E para acomodar os crápulas* fez construir
No centro da capital do Reich
Um palácio ele mesmo do tamanho de uma cidade.
5.
Um bom propagandista
Transforma um monte de esterco em local de veraneio.
Quando não há manteiga, ele demonstra
Como um talhe esguio faz um homem esbelto.
Milhares de pessoas que o ouvem discorrer sobre as auto-estradas
Alegram-se como se tivessem carros.
Nos túmulos dos que morreram de fome ou em combate
Ele planta louros. Mas já bem antes disso
Falava de paz enquanto os canhões passavam.
6.
Somente através de propaganda perfeita
Pôde-se convencer milhões de pessoas
Que o crescimento do Exército constitui obra de paz
Que cada novo tanque é uma pomba da paz
E cada novo regimento uma prova de
Amor à paz.
7.
Mesmo assim: bons discursos podem conseguir muito
Mas não conseguem tudo. Muitas pessoas
Já se ouve dizerem: pena
Que a palavra “carne” apenas não satisfaça, e
Pena que a palavra “roupa” aqueça tão pouco.
Quando o Ministro do Planejamento faz um discurso de louvor à nova impostura
Não pode chover, pois seus ouvintes
Não têm com que se proteger.
8.
Ainda algo mais desperta dúvidas
Quanto à finalidade da propaganda: quanto mais propaganda há em nosso pais
Tanto menos há em outros países.

* A palavra alemã Lumpen tem os dois sentidos, “trapos” e “crápulas”. (N. do T. )

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